sábado, 10 de fevereiro de 2007

Geoconservação em Portugal - um exemplo a seguir...

A descoberta e o papel da Sociedade

A descoberta acidental da jazida da Pedreira do Galinha ocorrida no dia 4 de Julho de 1994 suscitou, até à sua classificação como monumento natural cerca de dois anos depois, alguma preocupação quanto ao processo negocial a seguir de forma a preservar a área em causa do risco de desaparecimento, uma vez que a pedreira estava activa e o empresário industrial detinha todos os direitos de exploração para fins extractivos.

Para isso, era fundamental que o governo adquirisse os direitos de exploração da referida área em causa, e de seguida a classificasse como Monumento Natural, o que veio a acontecer em 22 de Outubro de 1996.

Para a resolução desta questão muito contribuiu o movimento gerado em torno desta descoberta pelas organizações associativas relacionadas com o património natural e histórico, o Museu Nacional de História Natural, a comunicação social, a comunidade científica nacional e mesmo internacional e a população nacional.

Num artigo do Correio da Manhã de 27/05/1995, o Prof. Galopim de Carvalho deixou um alerta, “bem encaminhado de início, encontra-se de momento numa fase de indefinição altamente preocupante (…) trata-se de um verdadeiro geo-monumento e autêntico santuário do passado geológico da Terra de há cerca de 170 milhões de anos” à data a correr o grave risco de se perder e isto “em virtude da morosidade com que está a ser encarado (ou esquecido) pelos órgãos de administração a quem compete decidir o seu destino”.

Viagem no tempo...

Aspecto de parte de um trilho de pegadas (foto: JG)

A Jazida está situada no flanco oriental da Serra D’Aire, a poucos quilómetros de Fátima, em terrenos que são parte integrante da chamada Orla Mesocenozóica Ocidental, ou seja, um vasto conjunto de formações geológicas geradas na sequência da abertura e alastramento do Oceano Atlântico, com início há pouco mais de duas centenas de milhões de anos.

O estudo das impressões deixadas pelos dinossáurios, bem como das rochas e sedimentos aqui existentes, permitiu a simulação do ambiente existente há 175 milhões de anos na actual região ocupada pela Pedreira do Galinha.

Sabe-se hoje que as pegadas observadas foram originalmente impressas numa lama calcária muito fina e de grande plasticidade, depositadas em meio marinho lagunar, muito pouco profundo (1 a 2 metros). Os sedimentos representados nos estratos visíveis na pedreira, depositados durante milhões de anos, foram posteriormente transformados em calcário, originando as espessas camadas de rocha que, até 1994, eram exploradas na pedreira. Nesta jazida, constituída pela superfície rochosa de uma destas camadas calcárias, com cerca de 60.000m2 podem observar-se várias centenas de pegadas organizadas em duas dezenas de pistas, uma das quais com 147 m de comprimento, a mais longa pista de dinossáurio saurópode (dinossáurios herbívoros, quadrúpedes, com cabeça pequena e pescoço e cauda muito longos) do mundo.


Pormenor de uma pegada. É possível observar o rebordo deixado pela pegada na lama existente na época, e a forma da pata e dos dedos (foto. JG)

Actualmente, este monumento é um importante centro de educação ambiental e um laboratório permanente para a compreensão da história da Terra e dos seres vivos. É um bom exemplo do valor científico e educativo da geodiversidade.


1 comentário:

Edmundo Bolinhas disse...

Este é um exemplo de geoconservação com um "final feliz", mas quantos casos existem em Portugal a não terem a devida atenção, nomeadamente por falta de verbas?
Torna-se extremamente complicado, principalmente quando estamos num longo ciclo de contenção orçamental, depender do Estado para assegurar medidas de geoconservação.
A solução passa pela criação de parcerias com o sector privado. O papel do Estado deve ser, essencialmente, o de criar oportunidades de negócio e procurar os parceiros certos para a sua concretização; salvaguardando sempre, mediante as suas funções de legislador e fiscalizador, a primazia da necessidade de conservação.
Apresento de seguida excertos de dois artigos que apontam para essa nova filosofia de financiamento de iniciativas de conservação.

“Os promotores de empreendimentos turísticos situados em espaços naturais poderão vir a financiar projectos de conservação da natureza. Segundo disse ontem o ministro do Ambiente estas parcerias público-privadas serão uma forma, entre outras agora em fase de estudo, de o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) se auto-financiar e começar a gerar receitas próprias.

"O ICN tem de ser autofinanciado pois não pode estar sempre dependente das oscilações do Orçamento de Estado (OE)", afirmou Nunes Correia à margem da audição parlamentar sobre a verba prevista para 2007.”

1 de Novembro de 2006, Diário de Notícias


“Os promotores turísticos vão financiar acções de conservação da natureza. Os primeiros a contribuir para a protecção de espécies naturais serão os empreendimentos do Litoral Alentejano mas a ideia deverá estender-se a outros locais. Esta é uma das cinco medidas definidas por Portugal para aderir ao Countdown 2010, um acordo internacional que visa proteger espécies e habitats ameaçados.(...)
Estas parcerias público-privadas serão estabelecidas entre o Instituto de Conservação da Natureza (ICN) e os promotores, adiantou ao DN o presidente do ICN, João Menezes. Um dos primeiros casos será em Tróia, com a Sonae a investir na protecção dos roazes do Estuário do Sado. Mas outros empresários poderão ajudar a proteger habitats na Rede Natura.

O estabelecimento de protocolos entre o ICN e outros parceiros vai ao encontro do que João Menezes tem defendido como forma de financiamento destes projectos. A responsabilidade de proteger espécies e habitats é uma responsabilidade que não cabe só ao Estado e deve ser partilhada pela sociedade civil, considera.”

22 de Maio de 2006, Diário de Notícias