sexta-feira, 2 de fevereiro de 2007

A geodiversidade e o seu valor ...

Desde os primórdios da história do Homem que a geodiversidade tem desempenhado um papel fundamental na vida da nossa espécie.
Inicialmente, e de uma forma empírica, a procura de esconderijos/abrigos e o uso de determinadas rochas como instrumentos revelam uma dependência forte entre a nossa espécie e o meio.
Durante muitos séculos, o Homem observou e interpretou os processos naturais e as paisagens por eles construídas como destituídos de valor estético. A geodiversidade tinha, então, um valor meramente funcional, por exemplo serviria de suporte, de substrato para determinadas actividades, em que o uso do solo para a produção de alimentos tinha um papel de destaque.
Durante este período de tempo, a geodiversidade era destituída de valor estético para a maioria das pessoas, as quais manifestavam, quase sempre, o seu medo perante certos processos naturais, nomeadamente vulcões e sismos. Estes fenómenos eram, então, atribuídos a causas divinas e “extraterrestres”. Por exemplo, há cerca de 2400 anos, Aristóteles (384-322 a.C.) acreditava que os tremores de terra moderados eram causados pelo vento que escapava das grutas das entranhas da Terra e que os de grande intensidade se deviam à deslocação de furacões através de grandes cavernas subterrâneas.
É interessante verificar que, no século XVIII, o Romanticismo chega às Ciências da Natureza e por toda a Europa começou a existir um grande fascínio com as montanhas e outros elementos da geodiversidade. Neste período o valor estético é preponderante e largamente reproduzido em pinturas e poemas, por exemplo.
Por sua vez, constata-se que, ainda hoje, muitos locais revelam lendas e tradições em que se verifica uma íntima relação entre certos elementos do meio e determinadas práticas locais. Neste contexto, são inúmeros os exemplos de locais identificados com certas imagens (como “a cabeça da velha” na Serra da Estrela), assim como a associação de certos locais à prática de determinados rituais religiosos. Esta valorização cultural da geodiversidade tem estado praticamente sempre presente desde a pré-história. De início não se registava um particular fascínio pela geodiversidade e surgiam inúmeras e curiosas tentativas de explicar aquilo que não se compreendia.


A partir dos séculos XVII e XVIII o Homem passou a conhecer melhor o planeta onde vivia, não só numa perspectiva científica, tentando explicar a sua constituição e processos, mas passou a conseguir perceber que muitos elementos da geodiversidade teriam utilidade para as suas actividades.

Neste período dois cientistas deixaram uma obra notável e de referência. James Hutton (1726-1797), considerado o fundador da geologia moderna, através da observação dos fenómenos actuais deduziu que as mesmas leis físicas actuais que os condicionam terão sido as mesmas que actuaram no passado. Formulou, então, o princípio do Uniformitarismo: o presente é a chave da interpretação do passado. Mais tarde, Charles Lyell (1797-1875), ampliou este princípio aplicando-o a novas situações geológicas. Segundo este autor, os processos que levam à formação das rochas no presente obedecem às mesmas leis que presidiram à sua formação há centenas de milhões de anos.
O aumento do conhecimento permitiu, por um lado, uma melhor compreensão da Terra e dos seus processos, mas por outro lado, conduziu a uma mudança de atitude. O Homem deixou de temer a natureza, passando a querer dominá-la. O valor económico passou a ser o elemento comum na relação entre o Homem e a geodiversidade. Esta “inversão” de valores atingiu o expoente máximo com o uso dos combustíveis fósseis e a prática de um modelo de desenvolvimento das sociedades numa estreita, e até frágil, dependência entre as actividades e a própria vida e estes recursos energéticos.

Hoje em dia, até a valorização da geodiversidade na sua perspectiva funcional está directamente relacionada com a vertente económica. Tenhamos em consideração a construção de barragens, as quais recorrem ao carácter utilitário da geodiversidade para suporte de certas actividades.
Habitamos um “planeta vivo” e, como tal, só é possível viver nele em estreita dependência com os seus elementos. A geodiversidade sempre teve, e continua a desempenhar, um papel de destaque para a sobrevivência da nossa espécie.

Desde então, o valor económico passou a ser o elemento comum na relação entre o Homem e a geodiversidade.
Esta “inversão” de valores atingiu o expoente máximo com o uso dos combustíveis fósseis e a prática de um modelo de desenvolvimento das sociedades numa estreita, e até frágil, dependência entre as actividades e a própria vida e estes recursos energéticos.

O actual modelo de desenvolvimento está dependente do uso combustíveis fósseis.

Mas será este modelo duradouro? ...




1 comentário:

Edmundo Bolinhas disse...

A nossa relação com a geodiversidade é, essencialmente, de carácter económico.
Torna-se necessário recuperar a relação intimista do Homem com os fenómenos que o rodeiam. Esse movimento de voltar a olhar para a Natureza deverá ser feito numa perspectiva de conhecimento, e já não tendo por base o temor de outros tempos.
O conhecimento efectivo da geodiversidade em que estamos inseridos, o reconhecimento da sua plenitude num leque de valores para além do económico, em sentido estrito, irá possbilitar não só uma conservação mais efectiva, como também uma outra forma de valorização económica; uma valorização, em sentido lato do que podemos entender por economia, que permita adequar, de forma sustentável, as potencialidades oferecidas às necessidades efectivas.