sábado, 10 de março de 2007

Ainda vamos a tempo?


“Salvem o Lince e a Serra da Malcata”, foi o mote para a mais célebre campanha de conservação da Natureza realizada em Portugal. Passados cerca de 30 anos esta espécie está à beira do fim!

O lince-ibérico (Lynx pardinus) é actualmente considerado o felino mais ameaçado do mundo e encontra-se classificado como espécie Criticamente em Perigo (CR) pelos Livros Vermelhos de Portugal e UICN, onde se incluem as espécies que enfrentam um risco extremamente elevado de extinção na natureza. Também se encontra protegido pela Convenção de Berna (Anexo II) e pela Convenção que regulamenta o Comércio de Espécies Selvagens (CITES - Anexo I A), sendo considerado pela Directiva Habitats como uma espécie prioritária.

É curioso verificar que em 1500 a.C. o lince-ibérico ocupava toda a área entre Portugal e o Cáucaso, confinando-se posteriormente à Península Ibérica, que ocupava na totalidade em meados do séc. XIX, sendo ainda muito comum no sul no início do séc. XX.

Distribuição actual do lince-ibérico (fonte: http://carnivora.fc.ul.pt)

O nome lince poderá ter sido atribuído devido à analogia entre as magníficas capacidades visuais deste animal e as de Linceu, herói da mitologia grega que possuía um olhar de tal modo penetrante que conseguia perfurar pedras.

Na antiguidade clássica os linces eram considerados os guardiões dos locais demoníacos onde o Homem não podia entrar. Mais tarde, na idade média, a imagem do lince deixou de ser conotada com um ser mitológico, passando a ter uma perspectiva materialista. Era considerada como uma espécie de alto valor cinegético e nobreza, e como tal, apenas os reis e grandes senhores o podiam caçar, sendo até a sua carne muito apreciada.

O Lince é uma espécie especializada, dependente dos bosques e matagais densos com pouca presença humana para abrigo, e do coelho-bravo que ocupa quase 100% da sua dieta, a qual pode ser complementada com roedores, aves e crias de cervídeos.

Esta especialização é a principal ameaça à sua sobrevivência pois, nos últimos anos, tem-se assistido a uma acentuada regressão do coelho-bravo e à destruição dos habitats mediterrânicos. O lince é conhecido pela sua territorialidade, ocupando solitariamente uma vasta área de 3 a 5 km2.

A regressão desta espécie em Portugal iniciou-se sobretudo aquando da "campanha do trigo" nos anos 30-40, altura em que o seu habitat foi consideravelmente reduzido. Mais tarde, a mixomatose (anos 60-70) e a febre hemorrágica viral (anos 90) foram responsáveis por uma acentuada regressão das populações de coelho-bravo, principal presa da sua dieta.

Outro dos grandes desequilíbrios induzidos pelo homem foi a destruição de áreas naturais, pelo fogo, ou para plantação de espécies florestais mais rentáveis economicamente como é o caso dos pinheiros e dos eucaliptos. Desde então, as populações desta espécie nunca mais voltaram a recuperar e nos anos 80 temia-se já que apenas existissem 50 indivíduos em território nacional.

Apenas em 1991 é que a preocupação para com a diminuição da população de lince-ibérico em Portugal, levou o ICN a lançar, com o apoio da UE, um projecto de estudo e recuperação desta espécie, o Projecto Liberne.

Temos obrigação de contrariar a tendência regressiva das populações de Lince. É importante aprofundar o conhecimento dessas populações (alguém sabe quantos existem?) e implementar as várias medidas, entre as quais se destacam:

  • definir uma "Região do Matagal Mediterrânico " coincidente com a distribuição potencial do lince, onde deverão ser desenvolvidos programas de conservação de longo-termo;
  • corrigir as políticas florestais, focando a conservação, gestão sustentada e revalorização económica do matagal mediterrânico;
  • declarar Sítios Natura 2000 em todas as áreas de ocorrência e respectivos corredores de ligação e prevenir a sua degradação;
  • evitar a construção de barragens e rodovias em áreas de lince.
Notícias recentes referem que, em 2008 ou 2009, alguns exemplares poderão vir de Espanha para efeitos de reprodução. O objectivo é repovoar a serra de Monchique, onde esta espécie não é avistada há muitos anos.
A construção da barragem de Odelouca irá, muito provavelmente, destruir uma área importante de habitat. Segundo os media os responsáveis pela empreitada poderão gastar até 10 milhões de euros em medidas ambientais. Mas essas medidas conseguirão compensar os prejuízos?


Sendo o lince-ibérico um animal individualista e territorialista, torna-se ainda mais isolado e indefeso, ao contrário dos lobos, que se defendem em alcateias. Compete então ao Homem inverter esta situação.
Mas será que ainda vamos a tempo?





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